segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A Visão das Cores, um texto de Manuel Pinho Rocha




Vamos falar sobre a visão, mas antes de abordarmos esse tema para chegarmos à visão das cores, gostava de falar sobre uma outra função dos nossos olhos que tem sido muito mal tratada e. sobretudo, mal compreendida. Estou a referir--me ao olhar.
Os olhos são uma porta por onde entram a todo o momento biliões de estímulos, uns que nos agradam e outros que nos agridem, que nos magoam, que nos deprimem, e também outros que nos alegram, que nos enchem de felicidade e de paz. Mas uma porta tanto dá para entrar como para sair, e os olhos atiram cá para fora toda uma série de sentimentos que não conseguem esconder, quer sejam as angústias e sofrimentos, os medos ou mesmo o pânico, mas também a alegria, a serenidade, o optimismo e a paz interior. Daqui se pode concluir que os olhos não mentem, estejamos nós atentos ao olhar.
Um exemplo da importância do olhar é o Efeito Mc Gurk. Se ouvirmos sem olharmos a voz de alguém no ecrã de uma TV ou no monitor de um computador que diga apenas repetidamente uma só sílaba, ouvimos claramente ba ba ba ba ..., mas quando olhamos, verificamos que, afinal, ele diz da da da da ... que é na realidade o que ele diz.
Há dias assisti na TV a uma interessante entrevista de uma conhecida personalidade, um homem de cultura e muito habituado a frequentíssimos contactos humanos. Às tantas, o jornalista perguntou-lhe que ideia ele fazia de fulano, também um homem público de grandes responsabilidades, e a sua resposta foi muito clara: não tenho uma ideia bem formada porque, sabe, nunca lhe vi os olhos. Cá está, nesta resposta podemos ver até onde pode ir a importância do olhar. Para percebermos melhor o que se passa com este precioso órgão e as suas ligações ao nosso sistema nervoso central....uns breves apontamentos sobre a sua origem e outros brevíssimos apontamentos sobre a sua anatomia.

Os olhos são, entre os órgãos do corpo humano, os que mais precocemente iniciam o seu desenvolvimento e a sua diferenciação.
No fim da 2ª semana de vida intra-uterina, aparecem dos lados da placa neural do cérebro primitivo as fussetas oculares.
A partir do meio da 3ª semana começam a formar- -se umas pequenas cavidades – as vesículas ópticas primitivas.
Pouco a pouco, a inserção destas vesículas vai-se estreitando, forma uma espécie de pedúnculo, que vem a ser o primeiro esboço do nervo óptico.
No fim da 4ª semana, estão formadas as vesículas ópticas secundárias que, a partir daí, se vão invaginando. E é da camada externa destas vesículas ópticas que se vai formar o epitélio pigmentar da retina (5ª semana) e aí se formam os primeiros cones e bastonetes, que vão ser determinantes para os sentidos cromático e luminoso. É então fácil de compreender por que a histologia e o tipo de vascularização da retina e do córtex cerebral são idênticos. E no interior de cada uma destas vesículas vão-se diferenciando outras várias estruturas que virão a constituir o globo ocular, a retina com os seus vasos centrais vindos do nervo óptico, o cristalino, a coroide, o corpo vítreo e, finalmente, ao quinto mês de vida intra- -uterina, está formada a esclera e a córnea.
Entretanto, os vasos que nutriram o corpo vítreo, a íris e o cristalino, desaparecem por volta do oitavo mês e raramente no nono. A córnea também acaba a sua formação completamente desprovida de vasos. Tem de ser totalmente transparente, assim como o cristalino, para que não haja o mais pequno obstáculo à visão. Dito isto, é fácil de compreender a íntima ligação entre o globo ocular e o cérebro.  Do ponto de vista anatómico, apenas referirei que o olho tem de ter os seus meios transparentes totalmente íntegros para que todos os estímulos cheguem intactos à retina, que é membrana vital para a visão. A retina forra toda a cavidade interna do olho e quer o seu tecido, quer o seu tipo da vascularização são, como já vimos, idênticos ao córtex cerebral.

Podemos comparar a retina ao rolo ou filme de uma máquina fotográfica onde fica registada ou impressa a imagem que chegou até lá. Mas nada é por enquanto visível. Temos de enviar o filme ao laboratório para que nos revele a fotografia.
Com o olho acontece o mesmo. A retina apenas recebe e regista as imagens que lhe chegam através dos meios transparentes. Depois, pelo nervo óptico, envia à cisura calcarina do occipital, onde está localizado o centro cortical da visão, tudo o que foi impresso. E então, a partir dessa operação, passamos a ver e dar conta de tudo o que a retina registou. A zona de inserção do nervo óptico não tem qualquer função visual e, quando são estudados os campos, aparece uma mancha negra que corresponde precisamente a essa zona.
O nervo óptico tem, como se vê, um trajecto muito longo através da substância cerebral e pode naturalmente vir a sofrer com as mais diversas patologias que o atinjam, sejam tumores, quistos, acidentes vasculares venosos ou arteriais, etc, e o centro cortical da visão pode também sofrer danos irreparáveis, o que viria a resultar na cegueira cortical, ou seja, está tudo em ordem no globo ocular, mas falta-lhe o tal “laboratório”.

Voltando à visão, podemos dividi-la em dois tipos: central e periférica.
E qualquer delas, em quantitativa (sentido luminoso) e qualitativa( sentido cromático)
O sentido luminoso depende de um modo particular dos Bastonetes e o sentido cromático dos Cones.
A intensidade e a qualidade do sentido luminoso consegue-se por meio de um fenómeno de adaptação, e para que esse sentido se possa manter em condições de funcionamento normal, é necessário que decorra um certo tempo, que varia de indivíduo para indivíduo.
O sentido luminoso permite-nos ver na obscuridade, ou seja, consegue que se tenha percepção visual com mínimo de luz possível. E, como veremos, a luminosidade pode interferir na modificações das cores.
Há várias patologias relacionadas com alterações do sentido cromático.

Hemeralopia – dificuldade de visão nocturna ( pode ter graus que nada têm a ver com a retinite pigmentar – míopes altos, miose, opacidades do cristalino, etc...) É uma doença congénita e transmissível segundo uma linha masculina ou feminina.

Nictalopia (dificuldade de visão diurna)

Fotofobia Grande dificuldade de suportar a luz (pode ser verdadeira, falsa, indolor, dolorosa, ou mesmo histérica)

O sentido cromático consiste na faculdade de percebermos as cores, tanto sob a forma de luzes, por exemplo o arco-íris, como sob a forma de pigmento, com cujas tintas trabalham os pintores.

A Cor-Luz é ela a própria cor do espectro.

A Cor-Pigmento é a reflectida pelo material, fazendo com que o olho perceba esse estímulo como Cor.

Como vimos, na região macular abundam fundamentalmente os Cones, que são as células próprias para a percepção das cores. Há três tipos de cones:
A
B (Blue-Azul)
G (Green- verde)
R (Red-vermelho
94% são G e R 6% são B



Os Bastonetes abundam por todo o resto da retina e são vitais para o Sentido Luminoso.

A Função Visual tem como fundamento as propriedades físicas da luz, isto é, o diferente comprimento de onda das radiações luminosas das diversas cores que compõem o espectro visível, desde o vermelho ao violeta.

A luz branca foi considerada antigamente como uma forma simples de energia, mas Newton descobriu que, através de um prisma, um feixe de luz branca se decompõe num espectro visível, onde se distinguem facilmente o vermelho, o alaranjado, o amarelo, o verde, o azul, o anil e o violeta, ou seja, as cores do arco-íris. Daqui se conclui que a sobreposição destas cores produz o branco.
O preto, que para alguns pintores não passaria de uma cor mais, que dependia da completa ausência de luz, a verdade é que é sobretudo a ausência de estimulo.

Destas cores, temos de distinguir as primárias, as secundárias e as intermédias. Primárias: Vermelho, Azul, Amarelo.

São cores básicas e impossíveis de ser decompostas. Misturadas uma com outra dão as cores Secundárias.
Amarelo + Azul = verde
Vermelho + Amarelo = Laranja
Vermelho + Azul = Violeta

Intermediárias
Vermelho + Violeta = Púrpura
(que não figura no espectro)

A partir destas três cores, Primárias, Secundárias e Intermediárias, os pintores conseguem preparar e usar
uma infinidade de cores.

O Sentido Cromático pode sofrer várias alterações, desde a Acromatopsia ou cegueira congénita total para as cores, às Discromatopsias ou cegueiras cromáticas parciais. Há várias discromatopsias, sendo o Daltonismo a mais conhecida, mas não é uma cegueira total para o vermelho e o verde, como geralmente é conhecida. Dalton experimentou em si próprio cegueira total para o vermelho, mas conseguiu ver o verde ainda que de uma forma limitada. Além disso, há outros desvios cromáticos muito discretos que se podem detectar ocasionalmente pelas Tábuas de Ishiara e que, num grande número de pessoas, passam despercebidos, não causando qualquer tipo de limitação visual.

Sobre a Acromatopsia aconselhava a leitura de um livro interessantíssimo do Neuroantropologista Oliver Sacks – A Ilha sem Cor. Trata-se de umas ilhas da Micronésia, particularmente a Ilha Pingelap, onde havia, e creio eu que ainda há, cerca de 700 pessoas que sofrem de Acromatopsia congénita total. Fora esta patologia, são pessoas normais: as crianças brincam, vão à Escola, os adultos exercem as mais diversas profissões e estão naturalmente “programados” para uma vida sem cor.

Mas, voltando às cores, elas são, como veremos, fascinantes e cativantes e visíveis através dos nossos olhos, geram-nos uma série de emoções que nos prendem, que nos excitam, que nos acalmam.
Tenho um amigo que comprou um quadro numa galeria porque, ao olhar para as suas cores, ficou de tal maneira fascinado que pouco lhe interessou o artista que o pintou, nem o seu preço. E diz-me ele que, por vezes, em sua casa, fica horas à frente do quadro que lhe traz uma enorme paz interior (tal como se estivesse a ouvir uma sinfonia).

Há também cores quentes: vermelho, laranja, amarelo; cores frias: verde, violeta.
Vermelho é mais excitante: dinamismo, acção, energia, violência, aumenta a TA.
Laranja é mais radiante, emocional, comportamentos irreflectidos.
Amarelo é mais estimulante: criatividade, representa o Sol, é a luz de alerta.
O verde é uma cor fria, é relaxante, exige menos esforço para a sua focalização, acalma, diminui a TA.

Podemos, a partir daqui, compreender a Psicologia das cores.

Vermelho: paixão, força, energia, amor, raiva, perigo,
revolução (o tempo passa depressa).
Azul: harmonia, conservadorismo, dependência.
Ciani (verde-água ou azul-piscina): tranquilidade, paz, limpeza, frescura (consultórios médicos, blocos cirúrgicos, batas dos cirurgiões).
Verde: natureza, primavera, juventude, fertilidade, esperança (o tempo passa mais lentamente).
Amarelo: velocidade, alegria, riqueza (ouro), idealismo.
Violeta: espiritualidade, sabedoria, criatividade, dor.
Branco: pureza, inocência, paz, simplicidade, rendição (seria impensável um exército pedir a rendição içando um bandeira de qualquer outra cor ou às riscas).
Preto: poder, formalidade, medo, morte, mistério.

Há também algum misticismo e crendice com as cores que herdámos dos árabes. Por exemplo, acreditam que o azul é uma cor que espanta os espíritos maléficos. E no nosso país, nas regiões onde foi mais sentida a ocupação árabe (Algarve e Alentejo), dão bem nas vistas as ombreiras das portas e janelas pintadas de azul, autênticas sentinelas à entrada desses espíritos indesejáveis.

E também é fácil compreender como a Publicidade e o Markting têm sabido aproveitar estas curiosas características da cor. Basta estarmos atentos. ( Ex: Vermelho dos Mac Donalds – ninguém convida um amigo para passar lá uma tarde relaxante – e pelo contrário, a serenidade de um Azul ou Verde de um gabinete de beleza).
É fácil compreender o fascínio da cor. Seguramente que muitos de nós já experimentaram mais que uma vez o colorido de um pôr-do-sol. Mas pode acontecer que uma qualquer vez, ao olhar para a beleza daquela mistura de cores, sem darmos conta, podemos entrar em êxtase, deixou de existir o caos, parece não haver nem se sentir nada à nossa volta, o tempo também parou. Tenho um amigo que experimentou uma vez uma sensação destas e, ao descrevê-la, disse-me que daria tudo o que tinha para voltar a ver um pôr-do-sol daqueles.
E aquela criança queniana que, ao nascer do Sol, ficou extasiada ao ver os raios solares que começavam a aparecer no cimo das serras e a rasgarem as labaredas e os fumos das queimadas com tais coloridos que desatou numa correria a chamar a sua patroa dizendo: Acorda, senhora, que vem aí Deus! ( filme África Minha ).

Tenho também um amigo que, num fim de tarde em Genève, levava pela mão uma sobrinhita quando, de repente ela parou e, de olhos esbugalhados, olhava para a montanha em frente onde os últimos raios solares espalhavam pelas neves umas fascinantes miscelâneas de cores, e, voltando-se para o tio, perguntou-lhe: será Deus?

Para terminar: quem conhece a Índia pode certamente ter reparado no colorido das roupas femininas. É tal a variedade que se fica com a impressão que as mulheres indianas combinaram andar pelas ruas cada uma com a sua variedade de cor.
Tive a experiência de viajar por estrada e, ao espalhar o olhar pelo campo por onde ia passando – trabalhavam ali muitas mulheres com roupas de coloridos diferentes – fiquei com a sensação de que o Criador salpicou a Natureza, aqui e ali, com pequenas pinceladas coloridas.

A cor e as suas combinações
são, de facto, um fascínio!

Manuel Pinho Rocha in Fonte nº 5

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