terça-feira, 19 de março de 2013

Último artigo do Testamento de D. António Ferreira Gomes


 
 
Último artigo do Testamento de D. António Ferreira Gomes. Para ler todo o testamento entre AQUI.
Artigo décimo segundo: Se alguém viesse a estranhar que neste testamento eu nada expressasse directa e formalmente sobre os meus sentimentos de fé e piedade, diria que, se toda uma vida de educador da Fé, pela palavra e pela acção, não tivesse convencido as pessoas da realidade e sinceridade desses sentimentos, de bem pouco valeria proclamá-los aqui. Apenas direi que, homem livre e que sempre aspirei a oferecer essa liberdade a uma causa que superasse a minha vida, sempre também senti que a liberdade essencial é o próprio mistério da vida humana, mistério que só se pode entender e realizar em referência ao Absoluto, sentimento esse que já experimentava mesmo antes de ter encontrado o teólogo Karl Rahner aquilo que me parece ser a chave explicativa da minha vida consciente, a saber, que a liberdade humana é “a possibilidade da disposição total e definitiva que o sujeito livre faz de si mesmo e da sua vida”, e ainda que a liberdade “pela sua essência fundamental é a necessidade imposta ao homem de decidir-se, livre, a favor ou contra o inapreensível que chamamos Deus”. Agradeço pois a Deus revelado em Cristo, à minha família e à sociedade cristã em que nasci o ter-me decidido livremente a favor do infinito mistério em que Deus se nos revela.
Desejaria pois que a minha morte, livremente aceite, fosse a suprema afirmação da liberdade pessoal, que me foi dada em responsabilidade não menos pessoal. Desejaria oferecer o sacrifício da minha vida pela minha Igreja e por todos aqueles que me são caros. Não tenho nem levo ressentimentos contra ninguém; e, se a alguém houvesse de perdoar, faço-o de todo o coração. Peço também que me perdoem aqueles a quem possa ter ofendido, conscientemente, do que não me lembro, ou inconscientemente. E, se essas possíveis ofensas fossem por motivo ou ocasião das causas que servi em Igreja, espero atribuam a culpa e o perdão, não aos valores eclesiais que estivessem em causa, mas à forma menos compreensiva ou caridosa que possa ter havido em servi-los.
Por esta forma dou por concluído o meu testamento, como disposição da minha última vontade, nesta Casa Episcopal do Porto, onde ao presente resido, no dia vinte e um de Agosto de mil novecentos e setenta e sete.
D. António Ferreira Gomes,
Bispo do Porto
 

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